Muito mais que visual
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Muito mais que visual

8 Minutos de leitura

  • Publicado: 26/06/2015
  • Por: jmesquita

<p>Quando queremos falar de um assunto tão específico e técnico como os tratamentos superficiais Hi-tech utilizados hoje nos motores, é muito difícil tentar explicar algo sem cair em uma linguagem rebuscada e repleta de termos desconhecidos para quem não é engenheiro. É como quando vemos dois médicos discutindo diagnósticos e tratamentos para uma doença rara…você entende alguma coisa do que eles falam? Por isso, vamos começar este especial respondendo às perguntas mais simples sobre o assunto e, pouco a pouco, nos aprofundaremos mais na matéria.</p>

<p><img alt="Virabrequim de competição com acabamento &quot;superfinish&quot;. Obra de arte " height="467" src="http://carroonline.terra.com.br//motociclismoonline/staticcontent/images/uploads/c3_620x467.jpg" style="margin:0 auto; display:block;" width="620" /></p>

<p>Por que é necessário tratar a superfície de uma peça de metal?<br />
Dependendo da pessoa a quem você pergunte, a resposta pode ser para deixá-la mais bonita, para deixá-la mais suave, para que ela não enferruje… se é um decorador, ele poderá dizer que é justamente para que enferruje. Mas, se alguém te responder dizendo que a superfície é tratada para liberar tensões residuais, pode apostar que está diante de um engenheiro.</p>

<p>Por que tratamos a superfície de uma peça mecânica?<br />
Simplesmente para que ela cumpra melhor a função para a qual foi desenhada. Podemos torná-la mais dura, mais resistente a esforços, mais resistente ao desgaste, mais suave para diminuir o atrito, menos propensa ao surgimento de riscos, mais adequada para reter lubrificante e outras inúmeras possibilidades. Quando falamos do virabrequim de um motor de competição ou dos anéis de um pistão, falamos de peças quase perfeitas, senão, não resistiriam a uma corrida sequer ou não permitiriam a uma moto ser competitiva. Por isso, existem ao redor do mundo superespecialistas que fabricam unicamente algumas peças de motor, mas que o fazem melhor que ninguém. A pergunta seguinte seria: “Que tipos de tratamentos existem?”. E aí que a coisa começa a ficar complicada. Existem tratamentos térmicos, químicos, mecânicos, de acabamento… vamos esmiuçar isso um pouco mais.</p>

<p><img alt="O tratamento com plasma é caro, mas muito eficiente para endurecer superfícies" height="467" src="http://carroonline.terra.com.br//motociclismoonline/staticcontent/images/uploads/c4_620x467.jpg" style="margin:0 auto; display:block;" width="620" /></p>

<p>Como e por que endurecemos as superfícies das peças?<br />
Até hoje, os métodos mais utilizados são a carburização a gás e a nitretação. São tratamentos químicos a alta temperatura, em que as camadas superficiais da liga são endurecidas e fortificadas pela ação de uma atmosfera gasosa enriquecida de carbono ou nitrogênio. Assim, conseguimos uma superfície mais dura e resistente que o núcleo, ou seja, a peça tratada torna-se capaz de absorver mais energia sem quebrar-se. Essa combinação, duro por fora e mais elástico por dentro, é uma das características mais desejadas em engrenagens e virabrequins. Banhos de sais (tratamento térmico usando um banho de sais fundidos) e a sinterização (tratamento que fortifica as ligações moleculares de componentes compactados em pó) eram os mais comuns até pouco tempo, mas atualmente a tecnologia de vanguarda é a aplicação por plasma e por íons. Em vez de colocar a peça em uma atmosfera de gás a alta temperatura e deixar que atue, utiliza-se plasma. Para isso, cria-se vácuo e uma carga elétrica de altíssima voltagem. Com isso, o gás se transforma em plasma e faz com que os íons acelerem e impactem contra a superfície da peça. Com esse processo, além de endurecer e ficar mais resistente ao desgaste e à fadiga, a superfície fica limpa e melhor acabada que no método tradicional. É possível ir ainda mais longe utilizando métodos como a implantação de íons, que consiste em bombardear de forma seletiva a peça com um feixe de íons, arrancando átomos e implantando novos átomos diferentes dos originais. Assim, consegue-se controlar completamente o processo, obtendo resultados perfeitos e permitindo variar o grau de aplicação em cada região da peça. </p>

<p><img alt="O tratamento com plasma é caro, mas muito eficiente para endurecer superfícies" src="http://carroonline.terra.com.br//motociclismoonline/staticcontent/images/uploads/c6_620x467.jpg" style="margin: 0px auto; display: block; width: 620px; height: 467px;" /></p>

<p>A vantagem desses processos baseados em uma tecnologia tão moderna como o plasma, é que podemos combinar o processo de endurecimento com a aplicação de revestimentos tipo DFV (Deposição Física de Vapor), que permite transferir para a superfície trabalhada uma finíssima camada de outro material, que se funde e penetra na peça através de uma descarga elétrica. <span style="line-height: 1.6em;">Dessa forma são criadas superfícies mistas que combinam dureza, resistência ao desgaste, etc. </span><span style="line-height: 1.6em;">A Deposição Física de Vapor é utilizada em aplicações tão complicadas quanto colocar uma capa de ouro que, de tão fina, é transparente, nas viseiras dos capacetes dos astronautas. Verdadeira engenharia de superfícies!</span></p>

<p>E se o que queremos é que o ma­­­terial não oxide?<br />
Nesse caso, às vezes a melhor solução é você mesmo provocar a oxidação. Parece um contrassenso, mas nisso consiste, por exemplo, o famoso anodizado. A passivação, que é o nome desse tipo de tratamento, consiste basicamente em impedir que a superfície de nossa peça reaja com o meio ambiente, e, mais do que isso, traz importantes benefícios, como a resistência ao desgaste e mais dureza superficial. Em materiais como alumínio, titânio e magnésio, a anodização é essencial. </p>

<p><img alt="Todas as bielas utilizadas em motores de alto desempenho recebem tratamento" src="http://carroonline.terra.com.br//motociclismoonline/staticcontent/images/uploads/c5_620x467.jpg" style="margin: 0px auto; display: block; width: 620px; height: 467px;" /></p>

<p>Mediante um banho eletrolítico em ácido sulfúrico, é produzida uma camada porosa de óxido e, logo em seguida, aplica-se uma tinta. Para se ter uma ideia, a espessura dessa camada de óxido é de 2 a 3 nm (1nm = 0,000001mm) de espessura. A tinta, além da parte estética, tem outras utilidades, como no alumínio, por exemplo. Esse material troca pouco calor com o meio externo, mas pintado de preto, conseguimos melhorar muito seu comportamento térmico (dissipando mais calor), por isso, não é à toa que vemos muitos cilindros de motos dessa cor.</p>

<p>Quando esse filme atinge determinada espessura, o processo passa a ser chamado de anodização dura, utilizada nas camisas de cilindro e hélices de turbocompressores, entre outras peças que exigem alta durabilidade e que são expostas a um esforço tremendo. A porosidade decorrente desse banho em ácido é “preenchida” com fluorcarbono, que adere à superfície e resulta em superfícies naturalmente lubrificadas. A anodização também é utilizada no titânio e é vital para que as peças não travem por um excesso de atrito. Também obtém-se ótimos resultados em magnésio, com melhora da resistência ao desgaste e à corrosão. O Alodine é outro cromatizante utilizado em alumínio e, a principal diferença para o anodizado é que o Alodine mantém inalterada a condutibilidade elétrica do alumínio.</p>

<p><img alt="Cada peça recebe um tratamento específico para melhorar seu desempenho e durabilidade" src="http://carroonline.terra.com.br//motociclismoonline/staticcontent/images/uploads/c11_620x467.jpg" style="margin: 0px auto; display: block; width: 620px; height: 467px;" /></p>

<p>Qual a influência do acabamento superficial?<br />
Até agora vimos várias coisas que podemos fazer com as superfícies, mas não falamos quase nada delas em si. Existe uma grande quantidade de processos para melhorar o acabamento superficial, e alguns deles são simplesmente espetaculares. Quando falamos de acabamento superficial, nos referimos à rugosidade da superfície. Quanto mais rugosidades (riscos milimétricos, poros etc.), maior é a possibilidade de que a peça quebre por fadiga do material. A fadiga normalmente começa em um ponto de concentração de esforço e as superfícies mais polidas, por possuírem menos imperfeições, têm menos pontos de concentração. A isso somamos outras vantagens, como a maior suavidade ao atritar com outras peças. </p>

<p>Atualmente, o acabamento das peças (chamado polimento) está muito especializado e pode ser obtido por vários processos diferentes. São vitais em áreas que sofrem atrito constante, como os ressaltos dos comandos de válvula e os balancins. Nesse tipo de peça, o polimento funciona como um coxim. Quando o filme de lubrificante entre duas peças é muito fino, as rugosidades de uma peça atritarão com as da outra, mas, se polirmos perfeitamente as duas peças, conseguiremos que a altura das rugosidades seja menor que a altura da camada de lubrificante, e, assim, as peças não atritarão diretamente. Quando o acabamento chega ao seu grau máximo é o que chamamos de “superfinish”. O aspecto de peças como virabrequins, comandos de válvula ou engrenagens com esse acabamento é realmente impressionante. Na maioria das vezes esse superacabamento é obtido por meios mecânicos, polindo ou fazendo a peça vibrar rodeada de abrasivos. A diferença em comportamento entre um acabamento muito bom e um “superfinish” é tão grande que pode determinar se uma peça desempenhará bem, ou não, sua função. Peças muito pequenas também recebem esse tratamento “vip”. Em bicos injetores, por exemplo, o micropolimento interno é feito injetando-se um fluido abrasivo que vai e volta pelo bico até atingir o polimento desejado.</p>

<p><img alt="A diferença entre uma superfície tratada e outra não vai muito além da cor" src="http://carroonline.terra.com.br//motociclismoonline/staticcontent/images/uploads/c2_620x467.jpg" style="margin: 0px auto; display: block; width: 620px; height: 467px;" /></p>

<p>A combinação de superfícies micropolidas com outros tratamentos, como a aplicação de nanopelículas unidas à peça por meio de íons, permite coeficientes de atrito ridículos. Também utilizam-se tratamentos muito avançados, como o denominado “pele de cobra”, ou, snake skin. Primeiramente, é feito o acabamento na peça e, depois, aplica-se um polímero mediante uma ferramenta especial, criando um nanofilme orgânico que retém o lubrificante.</p>

<p>Como podemos melhorar o estado tensional de uma superfície metálica?<br />
O “shot peening”, ou jato de granalha, é um bombardeio de partículas metálicas esféricas em alta velocidade contra uma superfície. Aumenta a resistência e elimina a fadiga e corrosão. Um tubo de escape, por exemplo, é formado por vários pedaços soldados, não é perfeito. As soldas “puxam” para diferentes lados, o que pode diminuir a vida útil da peça por uma fadiga precoce. Ao bombardeá-la com essas partículas metálicas, fazemos com que em cada golpe o material ceda e crie uma deformação plástica. Em uma analogia, é como se o metal recebesse uma massagem e relaxasse. Depois de deformar-se, toda a superfície começa a se contrair, voltando a ser uma peça compacta e, agora, muito mais resistente ao aparecimento de trincas ou fraturas por fadiga de material.</p>

<p>Além de peças soldadas, esse método estende-se a todo tipo de peças do motor – virabrequim, comandos de válvula, bielas, ressaltos, válvulas, balancins etc. O acabamento dessas peças é característico porque notamos uma terminação lisa mas visualmente pontilhada pelas milhões de marcas deixadas pelos impactos que ocorreram. Os equipamentos mais modernos são robotizados e permitem, com total controle de inúmeros parâmetros, atingir, de diferentes maneiras, cada segmento da peça. A tecnologia mais atual nesse campo é a substituição das esferas por raios laser. A peça a ser trabalhada é pintada ou envolta em material opaco à luz do laser e recebe pulsos de altíssima intensidade que, ao chocarem-se contra a pintura, fazem ela explodir em microdetonações. A energia liberada por essas explosões tem o mesmo efeito, ou até melhor, que o da granalha lançada à alta velocidade.</p>

<p>Como podemos ver, a engenharia de superfícies evolui muito rapidamente. Sim, não é algo simples explicar algo tão técnico de maneira didática, mas se você chegou até aqui, espero ter conseguido reter sua atenção! Quem sabe você não acabou de descobrir um novo interesse na mecânica?</p>

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