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Mototerapia: a importância da saúde mental no esporte

9 Minutos de leitura

  • Publicado: 23/09/2022
  • Por: Redação

Por Amably Monari*

O que seria esporte no motociclismo? O que é psicologia do esporte e o que se espera da psicologia do esporte no motociclismo? Respondi essas perguntas em uma matéria anterior que escrevi.

Portanto, hoje gostaria de trazer para o debate uma pergunta norteadora: Qual a importância da saúde mental no esporte? 

Falarmos da saúde mental dos atletas é pensarmos sobre todas as esferas que constitui uma pessoa. 

Sem deixar de levar em conta seu gênero, sexualidade, cor de pele, classe social, idade, diversidade corporal e de suas vivencias, caso contrário estaríamos pensando em máquinas de medalhas, o que é justamente o contrário da proposta da saúde mental. 

Vemos discursos prontos, receitas árduas e amargas para os “fortes” e quem não ultrapassa a dor da dificuldade é segregado a categoria dos “fracos”. TREINE SEM PARAR! SE ABDIQUE DE TUDO! FOCO! TREINE SUA MENTE! 

Primeiramente: “NÃO TREINE SUA MENTE. DESENVOLVA SEU CEREBRO”.

Treine técnicas, e elas te farão melhor atleta, garantindo assim uma performance de alto rendimento. Desenvolver seu cérebro é o autoconhecimento que possibilitará a construção de instrumentos psíquicos para o autocontrole da conduta em situações de alto nível de estresse, por exemplo. 

Frases motivacionais podem fazer a diferença em um curto espaço de tempo, mas desenvolver-se como atleta é um processo a longo prazo: treinar técnicas irão melhorar a performance e o autoconhecimento te levará ao seu desenvolvimento.

Somos seres em constante movimento de transformação, você muda, o mundo muda, tudo cíclico e recíproco, ou seja, ser flexível ao processo te levará a conquista de seus objetivos.

Posto que não somos máquinas e sim pessoas que transitam na potencialidade do vir a ser, tudo que acontece a nossa volta nos impacta, somos corpos políticos. 

Ser corpo politico é toda mensagem que enviamos ao mundo por meio de quem somos antes de dizermos qualquer palavra, o mundo tira conclusões que podem estar relacionadas com quem somos e outras puras indagações até mesmo preconceituosas. 

Sendo assim, falar de saúde mental no esporte é também falarmos dos impactos sociológicos, como por exemplo a chegada da campanha #METOO ao esporte. Mundialmente, o movimento ressalta a importância do não silenciamento diante de violências que afligem mulheres e pessoas no geral, nos âmbitos físico, sexual, econômico, patrimonial e psicológico. 

Importante ressaltar que o movimento #METOO, apesar de popularizar-se somente em 2017 usado pela atriz norte-americana Alyssa Milano, o uso da hashtag foi feita pela primeira vez pela ativista social Tanara Burke em 2006. 

Já no mundo dos esportes a ex-ginasta e campeã olímpica norte-americana Mckayla Moroney foi uma das primeiras a fazer parte do movimento, abrindo a possibilidade que outres esportistas pudessem fazer o mesmo. 

Tanto no Brasil como na Argentina e em outros países, o movimento teve início entre os artistas, perpassando esportes e chegou até à política. Mesmo que estatisticamente a violência de gênero esteja voltada para as mulheres, no esporte o movimento também acolheu meninos, homens e pessoas transgêneras e não binaries. 

No esporte motociclístico temos o exemplo de violência de gênero, para com a Campeã Mundial de SuperEnduro em 2016, Sandra Gomez. A Federação Internacional de Motociclismo se recusou a pagar pelo prêmio com a justificativa de que “os pagamentos eram feitos apenas para homens pilotos e não para mulheres pilotas”. Além disso, a categoria feminina foi retirada do campeonato após a pilota madrilenha ser campeã mundial da modalidade.

Mototerapia: a importância da saúde mental no esporte
Sandra Gómez (Foto: Reprodução/MOTOCICLISMO Espanha)

Ou seja, se pararmos para pensar sobre o motociclismo como esporte, temos uma baixa representatividade de mulheres ao longo  do tempo comparada com a dos homens e comportamentos machistas para com as pilotas. 

Se pensarmos em equipes de pilotas temos uma defasagem muito maior. Até onde vai meu conhecimento na história do motociclismo, o BTR (Build. Train. Race) da Royal Enfield, é o primeiro programa a quebrar esse paradigma e abrir possibilidades para as mulheres que nunca tiveram experiência, possibilitando que customizem, treinem e corram pela primeira vez.

Mototerapia: a importância da saúde mental no esporte
Bree Poland, idealizadora do BTR: o trabalho é intenso, mas também dá para ter momentos de descontração! (Foto: Mo Dantas)

Tive a honra de conhecer a idealizadora do programa, Bree Poland, norte-americana com mais de 20 anos de experiência no mundo do motociclismo, que me contou, a partir de sua visão pessoal, como o programa contribui para a saúde mental de suas participantes, nos respondendo que não se tratava de uma resposta tão simples:

“Olhando para os últimos dois anos nós tivemos mulheres realmente engajadas participando, elas queriam uma saída para concentrar sua energia. Mulheres que passaram por divórcios dolorosos, onde ouviam que não eram boas o suficiente. Pessoas de todos os tipos, de todas as classes econômicas estão participando das corridas e mostrando ao mundo como elas são incríveis. Mulheres que nunca tiveram confiança para fazer uma troca de óleo e que agora podem dizer que construíram uma motocicleta do zero. Elas podem não só trabalhar em suas próprias motos, mas podem ajudar quem precisa. Ouvi muitas histórias de todas as mulheres.”

Bree Poland
Bree Poland (à esquerda) é acompanhada por pilotas durante etapa do BTR nos Estados Unidos (Foto: Arquivo)

No terceiro ano do BTR, que inclui corridas em Flat Track e Racer, mais de 30 mulheres entre EUA e Brasil participaram quebrando paradigmas em cada curva, empoderando-se, acelerando e ocupando espaço no motociclismo como esporte. 

Em outras palavras, as mulheres estão ocupando espaços como idealizadoras, pilotas, treinadoras em todos os âmbitos do motociclismo como esporte. Já podemos ver uma nova era ao horizonte!

Ao mesmo tempo que elas, nós avançamos conquistando novas estradas, e constituindo novos desafios, como por exemplo a discussão sobre as diversidades de corpos, gêneros, sexualidades, religiões, cor da pele, nacionalidade, entre outros fatores, propondo um repensar sobre nossas atitudes como mulheres umas para com as outras em relação a sororidade e competição. 

Voltando ao assunto principal, conversei com 3 pilotas e 2 pilotos que admiro como esportistas e gostaria de compartilhar com vocês como eles cuidam de sua saúde mental. Perguntei como cada um cuida da sua saúde mental antes, durante e depois das corridas, e o resultado foi impressionante. Confira nas próximas linhas:

Sou nova nesse meio, mas pude perceber uma grande diferença de resultado em 2 corridas diferentes que participei. Na primeira eu não estava tão à vontade e estava muito tensa. Já na segunda eu estava muito mais leve e despreocupada e o resultado foi totalmente diferente.

Geane Santana, pilota de Flat Track
Mototerapia: a importância da saúde mental no esporte
Geane Santana (Foto: Arquivo)

Não tenho um ritual ou algo do gênero, apenas respiro fundo para tentar controlar a ansiedade antes da corrida, me fecho durante a corrida e depois vejo no que dá.

Gisele Favaro, pilota de Flat Track e off-road
Mulheres de moto
Gisele Favaro (Foto: Guilherme Veloso)

Treino, treino, mas quando chega na corrida muitas vezes eu travo, me dá um branco como se eu não fosse capaz, no Flat Track aprendi a conversar comigo mesma durante a corrida e me ajudou muito, como se fosse uma pessoa me incentivando. A corrida em si afeta minha saúde mental, assim como a organização de informações ou a falta de, antes, durante e depois das corridas. Se a corrida foi tudo bem vem uma alegria e se não uma tristeza, tento conversar comigo mesma e me incentivar.

Edna Prado, pilota de Flat Track, enduro e campeã da primeira edição do Build Train Race Brasil
Edna Prado (Foto: Arquivo)

É preciso você se conhecer para saber seus próprios limites, o apoio de outros pilotos, família e amigos ajudam no momento da corrida, no entanto, treinamento, disciplina e persistência melhora a performance.

Marcelo Silverio, piloto de Flat Track e enduro
Marcelo Silvério (Foto: Divulgação)

No dia da corrida eu começo, aos poucos, a me desconectar dos problemas do cotidiano. Minha família e meus colaboradores entendem, respeitam e ajudam muito nesse processo. No momento da largada já estou completamente desconectado do mundo exterior. Depois da corrida, preciso logo me reconectar novamente e celebrar! Independente do resultado! Caso não tenha sido o esperado, vou pensar e estudar os motivos, somente no dia seguinte.

Simão Lawant, piloto de Flat Track
Simão Lawant (Foto: Mo Dantas)

Diante das respostas podemos perceber que é inerente ao gênero competir em uma corrida de moto, é necessário treino e autoconhecimento para saber como lidar em situações de alto nível de estresse. 

Ou seja, a saúde mental de atletas no motociclismo importa, primeiro porque faz parte de todo um sistema que nos constitui como seres humanos, assim como também altera drasticamente o nível de performance dependendo do nível de autocontrole da conduta, assim como sua representatividade para seus próprios objetivos, equipe, patrocinadores, apoiadores, seguidores entre outras. 

Apesar dos atletas entrarem em um nível de suspensão da atenção durante a corrida, para que possam estar no aqui e agora, o impacto de sua representatividade como corpo político antes, e depois da corrida impactam o durante, não podemos separar o atleta da pessoa humana que vive em uma sociedade. 

Portanto, proponho que pensemos sobre como o motociclismo como esporte está atuando na diversidade de gênero, sexualidade, racismo, corpos, idades, religiões e diversas vivências de seus atletas. 

E, pensando nas singularidades de cada atleta recomendo o Documentário NO WOMAN NO TRY, disponível no Amazon Prime, sobre como as jogadores de rugby no Reino Unido se fortaleceram como atletas para que o Esporte e a indústria do esporte, incluindo a imprensa, as reconhecem como profissionais a partir do movimento #IMENOUGH #ICARE, como empoderamento feminino e como os homens tornaram-se aliados as atletas mulheres. 

Proponho também atitudes cotidianas de apoio, como por exemplo, trazer para nossas conversas com nosses amigues o nome de mulheres no motociclismo que nos inspiram, a diversidade de modos de viver a vida e expressar sentimentos, bora nos apoiarmos e nos incentivarmos? 

*Amably Monari (@psicoontheroad) é Psicóloga Clínica, ativista social e Mestre em Mudança Social e Participação Política pela USP. Atualmente, viaja de moto pela América Latina captando o sentido da vida Latina por meio da Saúde Mental com o projeto Documental Psicologia por el Mundo.

**A opinião dos colunistas não reflete necessariamente a opinião da revista

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