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Como é a nova gasolina que está chegando nos postos

10 Minutos de leitura

  • Publicado: 18/08/2020
  • Por: Isabel Reis

A nova gasolina brasileira está chegando nos postos e não deve nada em qualidade em relação à utilizada na Europa e nos Estados Unidos. A recente especificação da ANP (Agência Nacional do Petróleo), que entrou em vigor no começo do mês, cria um combustível de maior qualidade. Ele poderá reduzir o consumo, melhorar a performance, diminuir as emissões, resultado da sua maior eficiência energética.

A gasolina brasileira ficou bem melhor com a nova especificação da ANP

Mas, na prática, será isso mesmo? Qual é o milagre criado pela Resolução Número 807/2020 que alterou o combustível que já está saindo das distribuidoras para abastecer todo o Brasil? Para tirar as dúvidas, entrevistei Henry Joseph Júnior, um dos maiores especialistas de eficiência energética do país. Engenheiro, ele é o Diretor Técnico da Anfavea, mas sempre trabalhou na indústria, acompanhando todo o desenvolvimento tecnológico dos veículos. Henry explicou que há algum tempo a gasolina brasileira vem tendo uma qualidade razoavelmente boa. E que essa nova especificação foi mais um passo no sentido de melhorar ainda mais.

Henry Joseph Júnior, Diretor Técnico da Anfavea e um dos maiores especialistas em energia

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De quanto pode ser a economia de combustível?

Segundo Henry, a média de economia dependerá muito da qualidade da gasolina que cada um estava utilizando. Se já era boa, a diferença de consumo não será tão grande. Mas se a gasolina utilizada não era de boa qualidade, misturada com componentes como solventes, a economia será bem maior. Em casos como esse, a melhora pode ser de 3% até 5%. Genericamente falando, conforme o especialista, a média de consumo deve ficar em torno de 2%. Pode parecer pouco, mas trata-se de uma melhora significativa se formos pensar o quanto se gasta de combustível no país todo.

No caso da gasolina Premium, apesar de ter um ganho, o resultado não será tão visível. Ela já tinha uma composição um pouco mais fechada e uma melhor qualidade. A maior diferença vai acontecer com o uso da gasolina comum.

Haverá aumento no preço da gasolina?

“Não sei dizer como será tratada essa questão”, afirmou Henry. Que detalha: “O preço de combustível tem muito mais a ver com o custo internacional do petróleo ou com a variação do dólar. Neste momento, o preço internacional do petróleo e dos derivados está um pouco mais baixo. Isso tudo pode criar uma nuvem, que não deixa ver claramente o quanto essa nova especificação vai aumentar ou não o preço da gasolina. Mas com relação ao custo da produção, isso sim vai aumentar. Na medida que se coíba que outros produtos de petróleo sejam misturados à gasolina, com certeza esse combustível será um pouco mais caro”.

Gasolina mais pura, sem adição de outros produtos de petróleo

Restrições para a adulteração

Henry Joseph Júnior fala que tempos atrás as petroquímicas foram liberadas para produzir gasolina e, mesmo como a Petrobras, tinham a liberdade de adicionar compostos mais leves. Segundo ele, isso pode ser muito bom para a refinaria, que se livra de coisas que não tem para quem vender, mas para o motor não é nada bom: “A especificação atual fechou essas portas e começou a tirar da gasolina coisas que não deveriam estar lá. Sem esses produtos, há essa melhora de rendimento e também no consumo do veículo”.

O especialista continua: “Além disso, será mais fácil identificar se a gasolina está sendo adulterada, porque na refinaria isso não ocorrerá. Se encontrar algum combustível nas ruas com a curva de destilação fora da recomendada, então, com certeza, foi adicionado alguma coisa indevida pelo posto ou, infelizmente, por quadrilhas que atuam nesse setor”.

O novo combustível exigirá uma nova regulagem?

Essas características vão trazer uma melhora, explica Henry, independentemente da necessidade de uma nova regulagem: “O veículo vai poder aproveitar melhor o combustível do que acontecia anteriormente. Claro que depende muito do estado do motor, pois se ele já está muito velho, não vai conseguir usufruir das novas características da gasolina. Mas os motores mais novos com certeza serão beneficiados.

Não será necessário nenhuma regulagem extra para funcionar com o novo combustível

Vai ganhar mais vida útil?

Pode até ganhar, sim, confirma Henry: “Todos os desaforos que o veículo sofre na medida em que está com um combustível sem todas as qualidades, com uma curva de destilação inadequada, com uma octanagem não tão adequada, isso sempre faz o motor sofrer mais. Com essas características um pouco mais ajustadas, o funcionamento do motor vai se tornar melhor. O resultado também é um aumento da durabilidade. Lógico que o proprietário sempre precisa ter outros cuidados adicionais. O uso de uma gasolina aditivada é recomendado, ajudando a manter o motor mais limpo, pois não forma depósitos que vão alterando o seu funcionamento. O respeito pelo prazo da trocas de filtros, de velas, de óleo lubrificante. Tudo isso ajuda a conservar o motor e aumentar a sua vida útil”.

Etanol: problema de nascença

Henry Joseph Júnior dá uma aula sobre o que acontece no motor dos veículos. Se você gosta mesmo da sua moto, do seu carro, entenda sobre o seu funcionamento com a descrição a seguir:

“A nossa gasolina tem um problema de nascença, porque ela é misturada com etanol. Isso torna o nosso combustível uma coisa ímpar no mundo e tivemos que aprender por conta própria. A curva de destilação da gasolina brasileira foi algo bastante complicada de conseguir acertar. O conceito de curva de destilação nasceu com a ideia da gasolina pura, quando se começou a especificar a gasolina pura no mundo. Mas a gasolina não é uma substância pura, é uma mistura de vários hidrocarbonetos. Na medida que vai aumentando a temperatura, os hidrocarbonetos mais leves começam a evaporar primeiro, até chegar nos mais pesados.

Isso tem reflexo na queima do combustível dentro do motor. Porque dentro da câmara de combustão, quando há detonação, ocorre um aumento rápido de temperatura. Essa evaporação do combustível acontece e cria uma queima mais uniforme (os hidrocarbonetos mais leves primeiro e os mais pesados depois). Os que vão queimando primeiro vão colocando fogo nos que ficam por último. Com isso ocorre uma explosão, que não é instantânea. É uma explosão em milésimos de segundos, mas é mais ou menos controlada. Isso faz com que o pistão, ao se movimentar, também vá recebendo energia e criando uma movimentação mais uniforme dentro da câmara.

O etanol não é uma mistura de combustível, é uma substância, e ele evapora todo de uma vez dentro da câmara, em uma mesma temperatura. Tanto que os motores movidos a etanol têm um ruído maior que os motores a gasolina, porque a detonação do etanol é muito mais rápida em termos de a fagulha percorrer toda a câmara. Ela ocorre em um mesmo momento, dando um estampido maior.

Quando se mistura etanol com gasolina, a curva de destilação bagunça toda. Nós demoramos muito tempo para conseguir entender como era essa curva de destilação e quais seriam as melhores características, para poder usar o combustível misturado com etanol de um modo um pouco melhor. Esse é um exemplo de características que só a gasolina brasileira tem.

A gasolina brasileira tem características únicas por conta da mistura com etanol

Aprendendo sobre octanagem

O outro ponto muito interessante é a questão da octanagem. Medir a octanagem da gasolina pura é uma coisa e medir a octanagem do etanol é outra totalmente diferente. As características do próprio processo de medição são diferentes. Nós tivemos que desenvolver metodologias para poder medir a octanagem. Fomos adaptando os procedimentos que já existiam no exterior, para conseguir fazer uma medição de octanagem aqui no Brasil, adequada ao nosso combustível.

Houve todo um processo de evolução, até chegarmos nessa especificação atual. E realmente ela trouxe uma melhora ainda maior. Agora passamos a ter a curva de destilação no ponto de 50%, quando metade do combustível já evaporou. Antes só tínhamos um valor máximo para essa temperatura. Hoje, nós temos uma faixa e isso faz com que a composição da mistura do combustível tenha que ser mais acertada: vai ter menos variação. O que permite que a combustão dentro da câmara fique melhor.

Ter o combustível dentro de uma faixa vai obrigar que a composição dele seja mais controlada (mais estreita). Por si só, isso vai evitar que alguns outros derivados de petróleo que estavam sendo misturados à gasolina (e que não necessariamente eram bons, os chamados solventes e coisas por aí), comecem a ser eliminados porque são compostos que não conseguem se enquadrar dentro dessa faixa de destilação.

Aumento na densidade do combustível

Outro ponto que vai melhorar bastante é que passamos a ter uma especificação da massa especifica. Isso é uma coisa que a indústria de veículos sempre pedia que acontecesse. A massa específica é a densidade do combustível. Isso é importante pelo seguinte: apesar de falarmos sobre volume de combustível, porque a gente compra litros de gasolina, o que queima mesmo é a massa. Quanto maior a sua densidade, maior a massa do combustível e maior a energia que ele queima. Se o combustível tem uma densidade pequena, ele vai ter uma massa menor e uma quantidade de energia menor. Quando temos uma massa específica maior e estabelecemos um critério para isso, a quantidade de energia começa a ficar mais confiável. É isso que está acontecendo agora: estamos estabelecendo uma densidade mínima. As duas coisas juntas, a curva de destilação e a massa específica, são dois fatores que, para o consumidor, vão se traduzir em melhora na queima do combustível e melhora no consumo.

Novo método para medir a octanagem

Uma das características novas na especificação é que agora vamos ter a octanagem medida pelo Método de Pesquisa. A octanagem é a capacidade que a mistura (entre combustível e ar) tem de ser comprimida dentro da câmara de combustão, sem detonar sozinha. Ou seja, é a capacidade de comprimir a mistura e só detonar na hora que a vela dá a fagulha.

Isso é importante porque a vela só dará a fagulha no momento em que a compressão estiver no seu melhor momento para que aquela detonação ocorra. E o meio de se medir o quanto a mistura pode ser comprimida é chamada a octanagem do combustível. Existem duas maneiras clássicas de medir e uma tem o nome Método Motor, o mais antigo. Há tempos se discute qual dos dois métodos representa melhor aquilo que o veículo exige de octanagem do combustível. No Brasil, sempre usamos o Método Motor, cujo número é um pouco menor que o do Método Pesquisa. O mesmo combustível pode ter resultados diferentes, devido ao tipo de medição. Agora, nesse última especificação da gasolina brasileira, passou-se a exigir as duas metodologias: o Método Motor e o Método Pesquisa.

Melhor para os engenheiros das fábricas

Isso trará uma qualidade melhor para o combustível porque ele terá que atender aos dois padrões. Vai ser bom para todos os tipos de motores, mas principalmente será bom para os engenheiros das fábricas, que poderão confiar um pouco mais na taxa de compressão que irão utilizar. Os engenheiros tinham que colocar um controle de avanço no motor de forma a protegê-lo se a octanagem tivesse algum problema, como um aumento de temperatura violento, que poderia quebrá-lo. Agora, essa octanagem controlada será uma melhora para os engenheiros.

Motores esportivos e de competição

Quem tem veículos mais esportivos vai sentir bastante os benefícios, porque esse combustível será melhor ainda para essa característica de performance. Isso vai servir para todos os motores: de carros ou de motos. Trabalhando com uma taxa de compressão adequada, com menos avanço, vai fazer o motor trabalhar melhor, ter uma performance melhor. E os motores novos que vão para o mercado poderão aproveitar ainda um pouco mais as características do novo combustível.

Os motores usados em competição já trabalhavam com uma taxa de compressão bem maior, com um controle de avanço diferenciado. Em corridas, essa questão da octanagem é muito forte. Se em uma competição o combustível não tiver uma taxa de compressão adequada, será um problema muito sério para o motor.”

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